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Como dados podem ajudar a busca por equidade na educação

Superintendente de Políticas Educacionais do Instituto Natura reforça importância das evidências para traçar estratégias que superem desafios

Educação de qualidade é um direito universal, indispensável para o desenvolvimento humano e de uma sociedade equitativa. Entretanto, no Brasil, ainda nos deparamos com profundos abismos educacionais, especialmente quando adotamos um recorte de análise dos dados étnico-raciais.

Um levantamento recente, realizado pelo Todos Pela Educação com base em dados provenientes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), constatou que os jovens negros estão uma década atrasados: em 2012, 73% dos brancos entre 15 e 17 anos estavam matriculados no Ensino Médio, percentual que os pretos e pardos da mesma faixa etária só foram atingir em 2022.

Diante desse cenário, é urgente que os formuladores de políticas públicas se dediquem à análise dos dados educacionais, considerando a viabilidade de estudos que incluam recortes étnico-raciais em todas as etapas e anos do ensino. Somente dessa maneira poderemos garantir um sistema verdadeiramente inclusivo, que contribua para a consolidação da justiça social e proporcione a pessoas de diferentes origens a oportunidade de vivenciar plenamente a transformação que só a educação é capaz de oferecer.

Mas toda mudança deve ser embasada em evidências concretas. No contexto da construção de uma educação voltada para as relações étnico-raciais, é preciso fortalecer de maneira substancial e consistente a coleta de dados relacionados à raça e à cor dos estudantes brasileiros. Esses números não apenas representam informações estatísticas como também constituem uma ferramenta imprescindível para a viabilização de um entendimento pormenorizado das realidades e dos desafios enfrentados por diferentes grupos sociais.

A estrutura de dados públicos disponíveis, no entanto, apresenta diversos desafios para a realização de investigações mais detalhadas. Para o segundo ano do Ensino Fundamental I, por exemplo, o Saeb é amostral, podendo não haver desagregabilidade suficiente para análises de dados étnico-raciais, além de que, historicamente (tanto em 2019 quanto em 2022), não houve a divulgação desse tipo de recorte. Para enfrentar essa barreira é necessário que exista um incentivo para que as redes educacionais realizem com rigor a coleta do dado racial no censo escolar e que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) possa promover a divulgação desagregada dos dados étnico-raciais.

Outra iniciativa a ser implementada consiste na incorporação de um recorte étnico-racial ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Essa inclusão viabilizaria a avaliação isolada do desempenho de estudantes brancos, negros, indígenas, quilombolas e amarelos, possibilitando uma identificação mais ágil das iniquidades na rede educacional e, consequentemente, ações mais efetivas para enfrentá-las.

Em meio às limitações, um estudo recente realizado pela Mahin Consultoria Antirracista em parceria com o Instituto Natura recomenda, em primeiro lugar, aprimorar o processo de obtenção desses dados, padronizando os questionários que solicitam tais informações e promovendo uma abordagem metodológica sensível ao preenchimento do campo de raça/cor. Adicionalmente, campanhas que engajem estudantes e suas famílias são essenciais para enfatizar a importância da autodeclaração racial.

A sociedade civil desempenha um papel-chave na geração de novas evidências para suprir lacunas ou complementar informações governamentais por meio da produção de conhecimento. Um exemplo é o do Instituto Sonho Grande, cuja pesquisa com egressos do Ensino Médio Integral em Pernambuco (que, nas últimas décadas, despontou no cenário nacional como vitrine da educação no país) foi responsável por apresentar achados importantíssimos – entre eles o de que a Ensino Médio Integral zerou a diferença salarial entre egressos brancos e negros.

Além disso, é pertinente ressaltar os dados referentes à avaliação de fluência leitora diagnóstica dos estudantes do segundo ano do Ensino Fundamental I. Um estudo conduzido em 14 estados brasileiros em 2023 aponta variações marcantes entre grupos étnicos distintos. O documento informa que 6,5% das crianças brancas nessa etapa são leitoras fluentes, proporção que cai, respectivamente, para apenas 3,3% e 1,8% entre as pretas e as indígenas.

Dados são como uma bússola para subsidiar a tomada de decisões e apoiar a elaboração de políticas públicas eficazes e a construção de premissas e diretrizes para a (re)formulação de estratégias mais assertivas, garantindo que recursos e esforços sejam direcionados de maneira otimizada. Eles podem estar entre nossos maiores aliados na busca por uma educação de qualidade para todos, não apenas evidenciando as desigualdades étnico-raciais como também nos dando maior nitidez para ações concretas.

Coletar, analisar de maneira criteriosa e agir estrategicamente com base em dados são alicerces sólidos para um futuro educacional mais justo para todas as pessoas. Cada número representa uma história, um potencial e uma vida que merecem ser plenamente realizados.

Maria Slemenson, Superintendente de Políticas Educacionais do Instituto Natura
Artigo publicado originalmente no Estadão: https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/dados-sao-aliados-na-busca-pela-equidade-na-educacao/

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