Avaliação feita em Sergipe mostrou efetividade de ações de monitoramento, comunicação e busca ativa para manter estudantes na escola
Maria Vitória brincava no chão da casa dela, em Itabaianinha, Sergipe, quando agentes de saúde passaram pela residência. Eles queriam saber como estava a família e aproveitaram para perguntar por que a menina não estava na escola. A mãe explicou que ela precisava de uma cadeira de rodas e não tinha, por isso não frequentava o colégio.
Os agentes acionaram a equipe de educação do estado, que buscou uma solução interdisciplinar: além de conseguir uma cadeira adequada para a hoje jovem de 14 anos, o transporte escolar especial foi disponibilizado para garantir a frequência dela.
“Eu só ficava em casa, era um tédio. Agora, eu só quero escola”, conta sorridente Maria Vitória. “Eu amo estudar, não vou mentir. Tenho vontade de ter aula até dia de sábado e domingo.”
A estratégia deu certo porque as equipes de saúde do estado fazem parte da rede de busca ativa de estudantes, uma parceria da secretaria estadual de educação com o Unicef, braço da ONU para a infância. Além dos agentes de saúde, conselheiros tutelares, assistentes sociais, lideranças comunitárias, e professores e outros profissionais da educação integram a rede, que está presente nos 75 municípios sergipanos. Estado e municípios têm trabalhado em regime de colaboração para refinar cada vez mais a busca de crianças e adolescentes que estão fora da escola.
Sergipe tem investido em políticas para evitar a evasão escolar e fez parte de uma avaliação de impacto de ações para trazer resultados neste campo. Um estudo do Instituto Sonho Grande, desenvolvido em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento e com a Secretaria Estadual de Educação, aplicou um projeto piloto no estado, usando a tecnologia como aliada para reforçar não só a busca de estudantes, mas a prevenção do abandono escolar. O estudo foi apresentado no 3º Seminário das Rodas de Conversa EMI de 2023, encontros apoiados pelo Instituto Natura para troca de conhecimentos e boas práticas.
Depois de entender os processos já feitos na rede estadual para evitar a evasão, a organização se dedicou a entender as principais causas de abandono e os principais problemas observados com os estudantes. Todos os processos foram mapeados para que as melhorias fossem pensadas junto com a comunidade escolar. O projeto incluiu registrar frequência dos estudantes para identificar quem está faltando e quem está em risco de abandono, realizar as ações a partir dos dados constantemente coletados e, finalmente os medir resultados.
Para garantir medidas adequadas a cada grau de risco de abandono, as faltas são monitoradas e disponibilizadas em um painel que permite respostas rápidas das equipes pedagógicas e de busca ativa. Os estudantes sem falta são apenas monitorados; aqueles com duas faltas consecutivas são considerados de baixo risco de abandono, mas os pais ou responsáveis já recebem um contato da escola; se as faltas chegam a quatro em cinco aulas, o risco de evasão sobe para médio e a equipe da escola faz uma visita à casa do estudante; o risco mais preocupante, o alto, é sinalizado quando o aluno tem 8 faltas nos últimos 10 dias de aula – neste caso, as redes de proteção e de busca ativa são acionadas.
Antes de aplicar este processo em todo o estado, o Instituto Sonho Grande mensurou o impacto em uma avaliação que dividiu 315 colégios entre 157 de controle e 158 de tratamento (o grupo que recebe as novidades). Como o acompanhamento de frequência já existia em todas as unidades, foi acrescentada a identificação dos estudantes em risco e o acompanhamento das ações realizadas pelas escolas.
“Vimos que quando a gente compara os estudantes de risco médio e alto, que estão faltando bastante, teve uma melhoria significativa dos indicadores nas escolas de tratamento em seis meses de medição”, explica Leonardo Ruli, coordenador de tecnologia do Sonho Grande. “O índice variou de 31% a 39% de redução dos estudantes em alto risco de abandono, um resultado muito legal, que deixa a gente bem feliz e com a perspectiva positiva para levar isso a outras escolas.”
Mesmo entre os estudantes que faltam pouco, aqueles considerados com baixo risco de abandono, houve redução de 19%.
“Isso indica – e a gente viu até pelos comentários das escolas – que se criou uma cultura de prevenção do abandono”, comemora Leonardo Ruli. “As escolas estão atentas a qualquer falta para que mesmo duas faltas não sejam naturalizadas. Há uma comunicação mais efetiva entre escola e estudante e o aluno agora também se sente mais acolhido, já que quando ele se ausenta, sempre tem alguém perguntando se está tudo bem.”
A cultura de prevenção foi espalhada também nas equipes gestoras da educação de Sergipe.
“Essa cultura está dentro da secretaria também. Temos mensalmente reuniões de indicadores, e os indicadores de abandono e de risco de abandono estão presentes nas estratégias desenvolvidas no estado”, explica Joniely Cheyenne Cruz, diretora da Coordenadoria de Estudos e Avaliação Educacional da Secretaria de Estado da Educação e da Cultura. “Não é só apresentar números, é pensar o que fazer com eles. O painel a que chegamos com esse projeto nos permitiu pensar ações à luz dos dados. Aumentamos nossa responsabilidade.”
A Coordenadora Estadual do Programa Bolsa Família na Educação na Secretaria de Educação do Estado de Sergipe, Rute Rosendo, explica que a coleta de dados e o registro deles de forma fácil de visualizar deu uma grande contribuição ao trabalho que já era realizado pelas equipes do estado
“Estamos muito otimistas de que vamos continuar com efetividade esse acompanhamento que tanto ajuda na prevenção do abandono. O painel ajudou muito no processo de busca ativa, que foi melhorado”, conta.
A combinação de estratégias tem levado o estado a, ao mesmo tempo, aumentar os estudantes que chegam à escola e os estudantes que permanecem nela. A Maria Vitória, que celebra a vida escolar diariamente, nem cogita abandonar as aulas. E a família dela, que encontrava dificuldades para garantir este acesso, também é acompanhada e assistida para evitar uma desistência.
“Ela é boa aluna, todas as professoras só me comentam coisas boas delas”, comemora Jocivalda, mãe de Maria Vitória. “Antes ela não sabia nem a primeira letra do nome, agora já sabe ler. Ela é uma menina mais feliz, mais alegre, conversa bastante. Eu fico muito feliz de ver dentro do meu coração que minha filha é uma criança feliz agora.”