Especialistas da América Latina destacam os avanços do Brasil em sua política de alfabetização

Compromisso Nacional Criança Alfabetizada foi referência no Encontro Regional do Movimento pela Compreensão Leitora.
Especialistas de organismos multilaterais, autoridades educacionais e representantes da sociedade civil da América Latina destacaram os avanços do Brasil em sua política nacional de alfabetização durante o Encontro Regional 2025 do Movimento pela Compreensão Leitora. Entre outros aspectos, valorizaram o alcance, o rigor técnico e a ênfase na colaboração entre o governo federal, os estados e os municípios.
Com um sistema educacional que reúne mais de 47 milhões de estudantes distribuídos em 179 mil escolas públicas, o país vem impulsionando uma estratégia que combina avaliações censitárias, metas comuns, formação docente e distribuição de materiais, com foco em garantir que todas as crianças aprendam a ler e compreender nos primeiros anos do ensino fundamental.
A secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Kátia Helena Serafina Cruz Schweickardt, explicou que a política se organiza em torno do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, uma iniciativa inspirada na experiência do Ceará, que conseguiu alinhar os governadores em torno de um pacto federativo pela alfabetização. Esse compromisso está estruturado em diversos eixos: governança, provisão de materiais, formação docente, melhoria da infraestrutura pedagógica, avaliações censitárias e reconhecimento de boas práticas.
“Cada estado, junto com seus municípios, teve que elaborar um plano territorial de alfabetização com dois eixos centrais: formação docente e produção de materiais complementares. Esses planos são validados primeiro em nível estadual e depois pelo Comitê Nacional e, uma vez aprovados, os estados recebem os recursos para capacitar os professores e imprimir os materiais”, explicou durante o Encontro, que reuniu mais de 50 especialistas da América Latina com o objetivo de impulsionar políticas sustentadas para garantir que todas as crianças aprendam a ler e compreender no tempo adequado.
Um dos avanços centrais no Brasil é a criação do Índice Criança Alfabetizada, que define uma nota mínima que cada estudante deve alcançar ao final do segundo ano da educação básica para ser considerado alfabetizado. Esse valor — hoje equivalente a 743 pontos — é aplicado de forma comparável em todo o país graças a um sistema de avaliação que articula os instrumentos estaduais com a escala nacional.
“Partimos de 56% de crianças alfabetizadas em 2023 e chegamos agora a 59,2%. Nossa meta é alcançar 64% neste ano e chegar a 80% em 2030”, afirmou Schweickardt, ressaltando que a alfabetização deve ser uma política central “independentemente da filiação política”, razão pela qual o compromisso foi elevado à categoria de lei.
David Saad, presidente executivo do Instituto Natura, uma das organizações que impulsionam este movimento, afirmou: “É um direito fundamental de todas as crianças ler adequadamente na idade certa. E, por sua vez, como mostra a evidência, o cumprimento desse direito é fundamental para o desenvolvimento de nossos países.”

As contribuições de Veveu Arruda, ex-prefeito de Sobral — município que se tornou referência regional por seus avanços educacionais — reforçaram a ideia de que a alfabetização se sustenta quando há liderança política e capacidade de articulação com a sociedade civil. O atual diretor da Associação Bem Comum destacou que a Aliança pela Alfabetização já está presente em 18 dos 27 estados brasileiros e alcança mais de 3,5 milhões de crianças. “Esse movimento está criando uma mobilização social, não apenas dos governos, mas da sociedade civil como um todo”, afirmou Arruda.
Por sua vez, Beatriz Cardoso, diretora do Laboratório de Educação, advertiu que ensinar a ler em contextos reais envolve uma complexidade que nem sempre se reflete nos modelos teóricos. “Há um processo de apropriação muito complexo, porque conhecer as evidências dos estudos sobre o desenvolvimento infantil não significa que o professor conseguirá transpor isso com facilidade para uma situação real”, afirmou Cardoso. Nesse sentido, ressaltou a necessidade de “criar condições para que os docentes e as equipes escolares se apropriem dos conhecimentos práticos e dos fundamentos, das evidências e dos estudos”, um processo que é gradual e pressupõe uma mudança cultural.
A diretora executiva do Centro Lemann, Anna Penido, destacou que o Brasil e a região enfrentam uma emergência em relação à leitura, mas contam com caminhos sólidos e experiências valiosas oriundas da articulação entre múltiplos atores.
“Já temos caminhos, há muitas ações acontecendo. Isso é resultado da conjunção de muitos setores e muitas pessoas para que esse movimento ganhe cada vez mais força e sustentabilidade na região”, afirmou Penido. O Movimento pela Compreensão Leitora reúne coletivos da sociedade civil do Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru, que atuam com independência partidária para impulsionar políticas de compreensão leitora como prioridade educacional em cada um de seus países.

Uma agenda regional
O Encontro contou ainda com a participação de referências educacionais de alcance regional e global, além de professores e gestores de diferentes países. Entre eles, Ben Piper, diretor do Global Education Programme da Fundação Gates, e Rukmini Banerji, CEO da Pratham Education Foundation, que compartilharam aprendizados sobre a implementação de políticas de alfabetização em larga escala e o papel fundamental da evidência para alcançar melhorias sustentadas em contextos diversos e complexos.
Jaime Saavedra, diretor de Desenvolvimento Humano para a América Latina e o Caribe do Banco Mundial, alertou que a região enfrenta um “problema gravíssimo”: quase metade dos estudantes da América Latina não atinge níveis básicos de compreensão no terceiro ano, uma situação que compromete sua trajetória escolar. “Temos uma obrigação moral de garantir essa competência fundamental às crianças”, ressaltou.
Referindo-se aos avanços regionais, Mercedes Mateo, chefe da Divisão de Educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), afirmou que a evidência contradiz a ideia de que reformas educacionais levam décadas para apresentar resultados. “Há países, estados e municípios na região que conseguiram demonstrar que é possível, e em um prazo relativamente curto”, afirmou.
A partir dos organismos internacionais, também foi destacado o valor do Movimento pela Compreensão Leitora como uma plataforma regional que articula evidência, cooperação multissetorial e ação concreta. Valtencir Mendes, chefe de Educação para a América Latina e o Caribe da UNESCO, celebrou o fato de o Movimento conseguir reunir governos, sociedade civil e especialistas em torno de uma agenda comum. “A leitura é a origem do pensamento crítico, da consciência democrática. Compreender um texto é compreender o mundo”, afirmou, ao sublinhar a importância de construir alianças duradouras que permitam sustentar as prioridades educacionais ao longo do tempo.
O Encontro Regional 2025 do Movimento pela Compreensão Leitora evidenciou um consenso crescente na América Latina sobre a urgência de fortalecer a alfabetização inicial. Em um cenário marcado por profundas desigualdades de aprendizagem, os especialistas concordaram quanto à necessidade de se apoiar na evidência disponível e nas experiências bem-sucedidas da região para garantir que as políticas de compreensão leitora cheguem efetivamente às salas de aula e beneficiem, especialmente, os estudantes mais vulneráveis.







