Como racismo aparece na educação e respostas possíveis das redes de ensino


Episódio discute caminhos para a mitigação dos efeitos das desigualdades étnicos-raciais na escola

O Brasil precisa de uma educação que não exclua, mas essa ainda não é a realidade no país, que tem desigualdades muito grandes a enfrentar –desigualdades que ficam mais agudas quando o racismo estrutural entra em cena. Para ser uma ferramenta efetiva de transformação social, a educação tem que ser de qualidade para todos e todas.

O Índice de Inclusão Educacional (IIE), criado com o apoio do Instituto Natura, dá o tamanho do problema: dados de 2019 (último dado existente e público) mostram que, enquanto 31% dos alunos brancos terminaram a educação básica com até um ano de atraso com nível básico de aprendizagem, o percentual entre estudantes negros era de 13%. Mesmo no estado que tem a menor desigualdade desse tipo no país, o Rio Grande do Norte, a diferença entre negros e brancos ainda é enorme, 7,2 pontos percentuais.

O uso de materiais didáticos diversos, a inclusão obrigatória da história e da cultura afro-brasileira e africana nas disciplinas, a abertura de espaços de diálogo e de valorização da identidade e da cultura negra… Todos esses são caminhos que têm contribuído para melhorar essa desigualdade. Mas e na ponta? Como escolas, professores, gestores podem conduzir uma educação antirracista, com ações práticas? 

Este episódio trata do que acontece no dia a dia da escola que agudiza o racismo e perpetua essas diferenças e discute o que a escola pode fazer para que as diferenças mencionadas em relação ao sucesso escolar sejam minimizadas. O diretor presidente do Instituto Natura, David Saad, conversa com a professora e pesquisadora de política educacional Zara Figueiredo, secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (MEC).

“A gente sempre pensou que o racismo estrutural nas escolas estava explicitado em tópicos como xingamentos, cartazes em semanas de Consciência Negra com visões desrespeitosas, preconceituosas e racistas. Durante muito tempo, acreditou-se que o racismo estrutural se manifestava nessas práticas e nesses eventos, mas ele ultrapassa em larga medida essas expressões e se manifesta, como o nome sugere, também de forma estrutural nas escolas e nas redes de ensino”, destaca Zara Figueiredo. “O que significa isso? Um exemplo: a forma como os recursos para fazer compras para as escolas são usados, a partir do momento que você compra brinquedos ou materiais que não garantam diversidade, que reproduzam só um padrão branco ou eurocêntrico – seja nos brinquedos, nos livros ou em qualquer outra coisa”.

Para a secretária, a defasagem de aprendizagem constatada entre estudantes negros decorre de um conjunto de estruturas do sistema educacional. Ela chama atenção para a importância de olhar para os indicadores, mas também de ir além ao tê-los em mãos. “É importante que o IDEB e o Saeb tenham um indicador socioeconômico e de raça e que, desde a alfabetização, você tenha esses marcadores identificados [nas medições]. Mas, junto com isso, é importante que as redes tenham devolutivas pedagógicas que mostrem isso para elas. Ou seja, eu preciso lidar com o indicador, mas também preciso dar devolutivas para que as redes compreendam o que está acontecendo e possam intervir”.

Zara Figueiredo enfatiza que, para lidar com o racismo na educação, é preciso que as decisões sejam das redes e não apenas de uma escola, uma vez que se trata de um problema estrutural. Segundo a secretária, a intencionalidade no planejamento e nas ações do dia a dia também precisa ganhar centralidade. “Em sociedades racistas, você não pode deixar que nenhuma ação na escola se dê de forma natural, temos que induzir tudo. A organização dos recreios, os coleguinhos que sentam para lanchar: isso precisa ser organizado; a forma como o material é comprado na escola, com recurso discricionário: a escola precisa incidir sobre isso; nas formações da escola, no planejamento da escola: é preciso que a gestão pedagógica chame atenção dos professores para a forma como fazer devolutiva da lição de casa”.

Essas medidas, de acordo com a secretária do MEC, terão impacto na expectativa que se cria sobre os estudantes e, como consequência, nos resultados de aprendizagem. “Quanto mais alta sua expectativa sobre o estudante, [melhor]. Isso é demonstrado de várias maneiras: quando vocˆ faz uma pergunta a ele na sala, quando você dá uma devolutiva da lição de casa, quando você encontra o estudante em espaços que não a escola. Isso dá pistas muito significativas de que eu, professora dele, espero muito dele. Agora, se ele entende que eu não tenho nenhuma expectativa em relação a ele, a resposta dele na aprendizagem também vai ser baixa”, explica a pesquisadora, que também deu aulas na Educação Básica durante duas décadas.

Falta que a pesquisa brasileira sobre a educação olhe com cuidado para este tema, segundo a secretária. Ela conta que as decisões tomadas hoje no Brasil para enfrentar essa baixa expectativa dos professores em relação a estudantes negros estão baseadas em uma literatura internacional, que, diferentemente dos estudos ainda pontuais no Brasil, já está consolidada. Há perguntas, no entanto, que já se sabe serem guias importantes para direcionar o trabalho dos professores nesta questão. “Professores e professoras, sobretudo os que estão há mais tempo  na rede, precisam pensar: quando estou discutindo um tema na sala de aula, quais são os alunos a quem eu sempre faço perguntas? Para quem eu sempre dou 10? Como cumprimento meus alunos quando estão indo embora pra casa? Quando sugiro um livro aos estudantes, será que algum livro já lido tem uma musa ou heroína negra? Será que, com os livros que estou dando aos alunos, estou tensionando ou mostrando a eles que o herói nunca é negro? Por que isso acontece?”, lista Zara. “Alçar esses elementos ao nível da consciência, já é meio trabalho para lidarmos e enfrentarmos [o problema]. Porque se eu não tenho consciência da questão, eu não vou atrás de alternativas, eu acho que está tudo certo”.

O Podcast do Instituto Natura é uma produção do Estúdio Guarda-Chuva para o instituto e tem episódios quinzenais, publicados às segundas-feiras.

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