Mais de 1,6 mil brasileiras sofreram violência no exterior em 2024


Dados atualizados estão no Mapa Nacional da Violência de Gênero.

A violência contra brasileiras que vivem no exterior segue sendo uma realidade que exige atenção contínua, com 1.631 casos de violência doméstica e de gênero registrados nas embaixadas e consulados em 2024, 4,8% a mais que em 2023. A informação, cedida pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) ao Observatório da Mulher contra a Violência, já está disponível no Mapa Nacional da Violência de Gênero, plataforma criada pelo OMV, Instituto Natura e Gênero e Número para reunir diferentes bases de dados sobre violência contra mulheres. Esse recorte ajuda a entender onde estão os maiores desafios e como os serviços de acolhimento têm atuado para apoiar brasileiras em situação de vulnerabilidade fora do país.

Entre os países com maior número de registros estão Estados Unidos (397 casos), Bolívia (258), Itália (153), Portugal (144) e Reino Unido (102). Os números mostram uma queda de casos na Itália, que aparecia em primeiro lugar em 2023, com 350 registros, e uma subida de 65% nos Estados Unidos, que passaram de segundo para primeiro lugar. Na Bolívia, país com maior aumento de registros de violência contra mulheres brasileiras, o crescimento foi de 821% em relação a 2023. Lá, houve o lançamento de um serviço de atendimento psicológico especializado a mulheres em situação de violência no Consulado-Geral do Brasil em Santa Cruz de La Sierra, uma das principais cidades do país. O último censo de brasileiros no exterior aponta que cerca de 75,5 mil brasileiros vivem na Bolívia.

Para Beatriz Accioly, antropóloga e líder de Políticas Públicas pelo Fim da Violência contra Meninas e Mulheres do Instituto Natura, uma maior capacidade de acolhimento consular pode incentivar mais mulheres a buscarem ajuda. “A violência contra mulheres é um crime difícil de mensurar pois ainda é muito subnotificado, ainda mais para mulheres que estão morando fora do país. Quando temos aumento nos registros formais, o que podemos entender é que essa violência continua acontecendo de maneira persistente — demandando reforço nas políticas públicas de apoio e combate —, mas também que mais mulheres estão tendo coragem para denunciar e que as autoridades consulares têm disponibilizado e publicizado serviços”, afirma.

A Embaixadora Márcia Loureiro, Secretária de Comunidades Brasileiras e Assuntos Consulares e Jurídicos do Ministério das Relações Exteriores, ressalta o esforço de aprimoramento dos métodos de coleta de dados pelos consulados por meio de um aplicativo criado em 2024, e o aperfeiçoamento da acolhida prestada, que encoraja as mulheres a realizarem as notificações. “Com isso, temos a expectativa de que, progressivamente, será possível visualizar um quadro espacial e temporal mais completo, permitindo um mapeamento de tendências de crescimento e redução da violência contra a mulher”, diz.

Violência vicária: uso de filhos para causar sofrimento emocional

Além da violência doméstica e de gênero, o Mapa Nacional da Violência de Gênero também monitora outras formas de violação de direitos que atingem mulheres brasileiras em diferentes contextos no exterior, muitas delas intimamente ligadas entre si. “A violência de gênero não se limita ao contato direto entre agressor e vítima, nem à agressão física. Ela pode se manifestar de forma psicológica, moral, econômica e também na chamada violência vicária, quando o agressor usa os filhos como instrumento para ferir e causar sofrimento à mulher”, afirma Maria Teresa Prado, coordenadora do Observatório da Mulher contra a Violência.

Em 2024, as repartições consulares brasileiras registraram 71 casos de subtração internacional de menores, uma redução de 26% em relação a 2023. Entre os países que mais registraram casos do tipo estão Portugal (8), Reino Unido (7), Suíça (7), Estados Unidos (6) e Argentina (5). Esse tipo de violência prolonga o ciclo de violência contra a mulher, dificultando a reconstrução da vida das mulheres, e atinge também as crianças, impactando seu desenvolvimento. Mesmo com a redução de casos, a prática continua a demandar atenção diplomática e apoio psicossocial às mães e crianças envolvidas.

A subtração de menores atinge principalmente brasileiras que enfrentam processos de disputa de guarda fora do país, tanto com os pais quanto com a família paterna. Em 2024, foram registrados 723 casos de disputa de guarda no exterior, representando uma queda de 11% em relação a 2023. Os países com maior número de registros são Alemanha (220), Estados Unidos (94), Portugal (90), Espanha (68) e Itália (57). Apesar da queda no número geral de casos, alguns locais apresentaram aumento, como a Alemanha, com 10% mais registros do que no ano anterior. Em Berlim, por exemplo, uma consultoria jurídica está disponível desde o ano passado.

Esses dados atualizados se somam ao recorte divulgado em 2023, quando o Mapa fez, pela primeira vez, uma classificação específica sobre violência vicária. Naquele ano, as repartições consulares ao redor do mundo registraram 808 casos de disputa de guarda e 96 casos de subtração de menores. Entre os casos de subtração, Portugal liderava com 18 registros, seguido de Estados Unidos (13), Itália (11), Líbano (5) e Reino Unido (4). Já com relação ao índice de disputa de guarda, a Alemanha aparecia em primeiro lugar, com 200 registros, seguida por Portugal (181), Itália (110), Reino Unido (52) e Estados Unidos (48).

“A inclusão de dados sobre violência vicária no Mapa representa um avanço significativo na transparência dessas informações. O Senado reafirma seu compromisso de dar visibilidade ao problema e de fornecer insumos para a criação de políticas públicas eficazes. Esses dados são mais que números, são um alerta para a necessidade de trazer o tema ao centro do debate público”, destaca Elga Lopes, Diretora de Transparência do Senado Federal.

Informação, acolhimento e políticas públicas

De maneira geral, os dados mostram que, quando há serviços de qualidade e acolhimento estruturado, mais mulheres recorrem às embaixadas e consulados em busca de apoio e proteção. Ainda assim, muitas permanecem em situações de violência de maneira silenciosa por medo, vergonha ou vulnerabilidade social, especialmente quando estão com status migratório irregular ou não têm informação suficiente sobre como buscar ajuda.

A divulgação desses dados faz parte da campanha “Sim, é violência. Chame pelo nome”, do Instituto Natura e Avon, durante os 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Mulheres e Meninas. Reconhecer e nomear as diferentes formas de violência, entender seus impactos e ampliar o acesso à informação são passos fundamentais para fortalecer a prevenção e construir redes de proteção efetivas.

Acesse a página especial da campanha para conhecer mais sobre as formas de violência, entender como apoiar mulheres em situação de risco e saber onde pedir ajuda. 

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